Os mais de 50 anos que distanciam a primeira edição até o lançamento no Brasil foram marcados pela organização de movimentos sociais feministas e por um despertar de uma parcela da classe médica. “Cansadas de narrativas perversas sobre sua saúde e sexualidade, as mulheres tomaram em suas mãos a tarefa de traduzir o que se sabia, mapeando os vieses e incertezas. Desafiando o saber estabelecido, trouxeram a experiência concreta das mulheres com seu corpo, saúde, adoecimento, e seu confronto com o sistema de saúde – analisado também em seus aspectos históricos e de gênero, antes de o conceito ser consagrado”, lembra Simone Diniz, médica e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, no prefácio da edição brasileira. Ela define o OBOS como precursor ao dar voz e integrar o movimento crítico interno à própria medicina, “que deu à luz ao que chamamos hoje de Medicina Baseada em Evidências”, diz.
Nos Estados Unidos, o movimento começou em Boston, quando um grupo de mulheres participou de uma conferência de libertação feminina, no Emmanuel College. Em um workshop intitulado Mulheres e seus corpos, elas compartilharam suas experiências com médicos e a frustração de saberem tão pouco sobre o funcionamento de seus próprios corpos. Conhecimento que se restringia à medicina.
“Perpetuava uma relação paternalista, em relação às mulheres, ao minimizar seus sintomas e seu nível de dor, além de, muitas vezes, nem sequer levar em conta seu consentimento em termos de tratamentos aplicados”, conta Luciana, destacando que a história da medicina é marcada pela dominação patriarcal. Livros como Unwell Women, de Elinor Cleghorn; The Woman in the Body, de Emily Martin, e Witches, Midwives and Nurses, de Barbara Ehrenreich e Deirdre English, dão exemplos de como o corpo masculino era tratado como padrão, enquanto o feminino como desvio. Também é extensamente relatado que a dor em mulheres era atribuída a problemas psicológicos, e como o casamento e a reprodução eram receitados como solução para problemas femininos de saúde.
“O livro Our Bodies, Ourselves vem, portanto, romper com a tradição médica de visão patriarcal ao possibilitar uma real transformação social em relação ao conhecimento sobre o corpo feminino. A partir da primeira edição, ele vira também um verdadeiro movimento transnacional, pois passa a inspirar mulheres em outros países a também tomarem as rédeas em relação aos processos relacionados à sua saúde sexual e reprodutiva”, diz.